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Espaço de Psicologia e Saúde

Quando fala o coração: uma orientação sobre o luto.

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Ao longo da minha experiência na área clínica e hospitalar, pude acompanhar de perto o luto pela perda de pessoas inesquecíveis e entender a importância de um espaço de escuta para aqueles que precisam expressar a dor da ausência.

Entre uma lágrima e outra, relatos de histórias de vida, de sonhos compartilhados, projetos interrompidos, despedidas…. Assim, esta é uma pequena contribuição em agradecimento a todos aqueles que tive a oportunidade de auxiliar e que me permitiram aprender sobre um dos eventos mais doloridos na vida de uma pessoa: a morte.

A vida muda num instante. Você senta para jantar e a vida que você conhecia acaba de repente” frase retirada do livro O ano do pensamento mágico, da escritora norte-americana Joan Didion.

Os primeiros dias após a perda podem ser sentidos com certa anestesia, a mudança é brusca e leva-se um tempo para entender que ela aconteceu, mas também entendo esta anestesia como uma proteção para manter o equilíbrio e conduzir as ações necessárias à última despedida.   Em seguida, diversas questões burocráticas pedem soluções imediatas, quase não dá tempo de pensar, a correria minimiza a dor que ainda não pôde ser sentida.

Os dias passam…O cheiro permanece na roupa utilizada recentemente, no armário o perfume preferido, aquela jaqueta que você presenteou no último aniversário, no retrato a lembrança do sorriso…está tudo intacto, tão estático que incomoda e ao mesmo tempo tão diferente que provoca um choque. A pessoa perdida não vai chegar, o telefone não vai tocar e a ausência ganha espaço, invade o coração, a alma e o ambiente. A dor é difícil de explicar, mas a sensação é avassaladora.

O choro fica difícil de controlar, o apetite diminui e o sono desencontrado. Muitos são os conselhos do tipo “Foi melhor assim”, “Ele estava sofrendo tanto”, “Já vai passar”, “Procure lembrar das coisas boas que viveram”, mas a verdade é que a dor não precisa passar, não naquele momento. Pelo contrário! Ela precisa ser vivida, ser sentida, ser falada, ser ouvida. Não existe receita pronta para o luto, ele merece tempo e respeito para que possa ser concretizado. Também não é possível pular esta etapa, mascarar a dor como se ela não tivesse acontecido pode ter efeito contrário, a lembrança ajuda a refazer uma vida que ficou em pedaços.

Não importa o tempo que viveram juntos, a qualidade do vínculo que predomina, amor não se explica.  Sendo assim, não é possível se refazer de uma perda da noite para o dia. Por isso, o luto é um processo, como uma ferida que necessita de cuidados e tempo para que possa cicatrizar.

O luto requer paciência e respeito consigo mesmo e com aqueles que também estão sofrendo. Os sentimentos são intensos e dão a sensação de montanha russa, ora os dias são mais leves e outros vividos com pesar e tristeza. Essa ausência de linearidade é esperada para o processo, assim como as recaídas em datas significativas. Diante de tanta intensidade, o silêncio é um grande aliado, um salto direto para dentro de si, como se estivesse em um casulo se preparando para a metamorfose. A grande metamorfose de transformar a dor em amor.

Como diria Jean de La Fontaine “Sobre as asas do tempo, a tristeza vai-se embora”. Com o tempo a dor tende a diminuir e a vida vai se adaptando. Não se culpe por seguir em frente! Seguir não significa esquecer. Existem inúmeras maneiras de manter viva a memória de quem se ama além de sempre poder encontrá-la dentro de você, em um gesto, um olhar, uma forma de agir….

A verdade é que a vida nunca mais será a mesma, mas ela pode ser resignificada, a dor nos ajuda a crescer, a buscar novas ferramentas para enfrentar o impossível. O reencontro com os amigos, a presença dos filhos, o cuidado espiritual, a retomada de atividades prazerosas poderão te ajudar a permanecer na caminhada chamada VIDA.

Cabe destacar que o processo de luto pode ser complicado, como uma ferida que permanece aberta e o tempo é incapaz de curar. Apresento, aqui, alguns fatores de risco: perda traumática, morte súbita, suporte social inexistente ou precário, relação de dependência com a pessoa perdida, histórico de dificuldade em lidar com perdas. Neste caso, o acompanhamento psicológico e, em alguns casos, o psiquiátrico é indicado.

Para finalizar, Colin Parkes, médico e pesquisador do Luto, escreveu que “o luto pela perda é o preço que se paga por amar”. Ainda que a perda seja o destino certo para aqueles que amamos, amar SEMPRE vale a pena.

Thatiany Santana

CRP: 06/99535

Psicóloga Clínica e hospitalar responsável pelo Setor de Psico-Oncologia do Hospital São José da Beneficência Portuguesa de São Paulo.

 

 

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